
Mulheres e Arte
de Rua
Entrevista com a Produtora Cultural, Graffiteira e Educadora Social da Secretaria da Mulher do Recife Gabriela Bruce. Ela faz parte do coletivo Flores do Brasil e participa de projetos culturais e educacionais buscando unificação e fortalecimento entre as mulheres como forma de combater o machismo. Em entrevista ela revela como conheceu o grafite, como essa arte vem fazendo parte de sua vida.
Ingrid Abage: Gostaria de saber de você, como e quando você teve seu primeiro contato com o grafite?
Gabriela Bruce: Conheci o graffiti em 2004 através da ONG Instituto Vida, que atuava pioneiramente na zona norte de Recife oferecendo oficinas dos elementos que compõe o movimento Hip Hop, lá conheci muitas pessoas que já faziam graffiti e me convidaram para pintar na rua, eu não tinha domínio de nenhuma técnica de desenho ou pintura, mas no graffiti descobri que além de colorir as paredes poderia usa-las como mural para inquietações.
(I.A): Você teve algum estímulo para grafitar?
(GB): Tive sim, de alguns amigos no início, mas quando perceberam que comecei a levar a sério, os mesmo me desestimularam porque começaram a me ver como concorrente.
(I.A): Qual o lugar mais difícil que você grafitou?
(GB): Tem várias formas de se compreender o que é difícil, cada muro tem suas dificuldades, seja a altura, a localidade do muro, como ás pessoas reagem ao me encontrar sozinha na rua grafitando. Mas o muro que acredito que foi uma superação foi o painel oficinal do Quarto Festival Nosotras estamos en la Calle, em Lima, Peru. Foi um prédio vertical de mais de dez metros somando 12 dias de pintura coletiva com cerca de 30 mulheres artistas urbanas produzindo o painel, onde tivemos que usar andaimes e técnicas de alpinismo para terminar o muro, mas o resultado foi gratificante.
(I.A): Você já sofreu algum risco enquanto grafitava?
(GB): Sim, já fui agredida verbalmente diversas vezes por transeuntes enquanto pintava na rua, na ocupação de muros não autorizados sempre se corre o risco de aparecer alguém que não tenha a percepção de diferenciar o graffiti da pichação.
(I.A): Para você, qual a diferença entre a pichação e o grafite?
(GB): Para mim ambos são importantes, tem sua beleza estética e importância, a diferença no tratamento está no conforto e desconforto de cada um causa. A pichação é vista como feia, suja e agride visualmente, mas o graffiti também incomoda, dependendo do seu conteúdo.
(I.A): Você sofreu algum preconceito de gênero por parte de outros grafiteiros?
(GB): Já diversos, no início me estimulavam, depois que perceberam que fui levando a parada a sério, me viam como concorrente e tentavam invisibilizar as ações quando são realizadas por/para mulheres.
(I.A): O que você faz para combater essa visão estereotipada que muitas pessoas têm sobre as mulheres que grafitam?
(GB): Eu faço graffiti. Com o graffiti consigo dialogar sobre esse e outros assuntos.
(I.A): Você enxerga um aumento no número de mulheres grafiteiras nos dias de hoje? A que você relaciona isso?
(GB): Aos coletivos mulheres feministas do Hip Hop, graças a esses coletivos que realizam workshop de
graffiti, break, rima e discotecagem para mulheres, estimulando e visibilizando a participação feminina no Hip Hop.
(I.A): Qual o objetivo do coletivo que você faz parte?
(GB): Garantir a participação das mulheres no Hip Hop, fortalecendo e visibilizando as mulheres negras.
(I.A): Como é a relação das pessoas dentro de grupo/coletivo?
(GB): Ás decisões são tomadas de forma coletiva, mas a coordenação e produção das ações e projetos são das mulheres do coletivo, assim visibilizamos as mulheres que vem a anos realizando tantas ações e que por muitas vezes ficam como "apoio" nos eventos, enquanto vemos a participação masculina em massa de frente as ações.
(I.A): O que você procura passar para as outras meninas que estão conhecendo o grafite?
(GB): Força. São muitas pessoas que impõe padrão de qualidade, que desestimulam, que enfraquece quando começamos a grafitar, a rua não é segura nem pros homens e não foi pensada em nenhum momento para nós mulheres, estar na rua com spray na mão diante de um muro é uma conquista muito grande, romper a barreira do sexismo e sair de casa para pintar na rua é algo que todas as mulheres deveriam fazer. Que mais manas estejam conosco nesse corre colorido.
(I.A): Quais foram os benefícios que o grafite te trouxe?
(GB): Voz. Eu percebi que sei falar e que não só posso como devo falar, o graffiti e o Hip Hop me deu voz, antes era uma jovem tímida e que pouco falava, hoje tenho a oportunidade de empoderar outras mulheres através da minha história, dos meus graffitis e de ideias que são construídas nas ruas.
(I.A): O que você procura passar através das suas pinturas?
(GB): Empoderamento de mulheres e meninas negras e estimular que outras mulheres também possam grafitar.
(I.A): Como você desenvolveu/vem desenvolvendo seu estilo de pintura?
(GB): Hoje retrato figuras femininas negras inspiradas no Candomblé e das histórias que minhas amigas contam do cotidiano que elas tem, meu projeto se intitula "As poesias pixadas de Laura Santiago", como no início não sabia pintar tive que praticar muito, estudar técnicas de desenho e pintura, letras e outros estilos de arte urbana a qual aplico nos meus trabalhos.
(I.A): O que significa para você deixar sua arte na rua, sendo cenário diário para várias pessoas?
(GB): Importante interferir no cotidiano das pessoas, provocar que parem por minutos ou segundos e observem o desenho, a frase, as cores e formas. Causar reflexão e fomentar o diálogo, isso pra mim é importante, e consigo fazer isso com o graffiti.
