Das rimas nasce o rap
- Ingrid Abage
- 1 de dez. de 2015
- 5 min de leitura
“O sistema machista fez a gente acreditar a vida toda que nós éramos rivais, porque sabia que a gente unida ia causar um grande movimento”
Tentando conscientizar as pessoas de forma mais direta e criativa, as rimas se mostram um forte instrumento na luta contra o machismo. Oriundo do hip-hop, o rap é um conjunto de rimas usadas para transmitir uma mensagem através da música. É nesse universo amplamente tomado por homens que as mulheres vêm surgindo para quebrar essa supremacia.
Pioneira quando se trata do rap no cenário recifense, a assistente social e rapper Mariana Oliveira, mais conhecida como MJ, teve seu primeiro contato com o rap em 1995, no mercado das flores, quando foi com um amigo a uma roda de MCs. Insatisfeita com a invisibilidade das mulheres no cenário e com o machismo presente nas letras, ela foi nutrindo em si, cada vez mais, uma vontade de responder a tudo aquilo que os homens falavam em suas músicas. Ela lembra de um trecho de uma música dos Racionais MC’s, “Mulheres vulgares uma noite nada mais”, e foi a partir daí que ela começou a escrever suas canções. Ela conta também que sofreu muito preconceito, “Passei por muito machismo, muita chacota, muita azaração. E quando dizia não, os caras perguntavam – E o que você tá fazendo aqui?”. MJ tem como principal objetivo transmitir mensagens de autoestima para as mulheres através de suas músicas, “eu chamo muito as mulheres de rainha, por que eu digo que a nossa vida é o nosso reino e ser princesa é ser submissa a alguém. Seja dona da sua vida, seja independente, estude, seja livre, faça o que você quiser sem pensar nos comentários”

Eventos de arte de rua servem como uma vitrine para que muitas mulheres exponham seu trabalho e seu potencial para o público. Mas também não é só para exibição que esses eventos servem, alguns promovem oficinas a fim de promover uma troca de experiências, como é o caso do FloreSendo Ideias. O evento que teve sua primeira edição em 2011, tem como objetivo conscientizar a juventude para a importância da unificação, conexão e intercambio com outros grupos e coletivos.
O festival que conta com música, poesia, performances de dança, grafite, feira de vendas/trocas de produtos e rodas de conversas, promoveu esse ano oficinas de rimas, mandalas, capoeira, turbantes e a final da liga feminina de MC’s. Além da arte o evento promove uma conscientização política, buscando ações de políticas públicas para juventude periférica e negra. Visam também um hip-hop unificado, visibilidade para produção cultural e artística estimulando a geração de renda com economia criativa.
Fabiana Coelho, que ministrou a oficina de rima, fala da importância que eventos como esse tem. Segundo ela, “Nesta oficina fica bem claro que não é só ensinar rima ou combinar uma letra com a outra, mas sim que a partir daí as mulheres possam pensar e se ver como mulheres. Começar a produzir, criar através da música, porque ela é uma ferramenta de comunicação muito forte, então a gente usa como arma para poder levar informação, e nós como mulheres temos muito o que falar”.
Fabiana comenta sua relação com as rimas
A luta pelo empoderamento feminino surge em diversas esferas, basta participar de uma oficina formada massivamente por mulheres de diferentes idades para notar que temas como, o combate a violência e conscientização da mulher sobre o seu poder, estão sempre presentes. A roda de diálogo espontânea que se formou quase no fim da oficina de rima, realizada no dia 14 de novembro no atelier Mangue Crew, localizado na R. Jorge de Lima, 410 – Imbiribeira, deixa bem claro que não importa se é em uma universidade do centro da cidade ou em uma periferia, as mulheres estão se motivando, se educando e se auto-organizando para desconstruir o machismo que muitas estão imersas. Elas estão na luta para transformar essa sociedade patriarcal que vivemos em uma sociedade igualitária.

MJ conta que hoje em dia tem muito mais segurança para levantar a bandeira feminista e pregar a união entre as suas companheiras. Segundo ela, se atualmente ainda existe o estigma de que as mulheres são inimigas é por que “O sistema machista fez a gente acreditar a vida toda que nós éramos rivais, porque sabia que a gente unida ia causar um grande movimento, seja ele qual fosse e em que área fosse” e é descontruindo essa linha de pensamento que se pode mudar as pessoas.
“Eu uso a música como uma ferramenta de denúncia, informação e com certeza a mulher se apropriando disso ela consegue se auto afirmar na sociedade, mostrar que a mulher exerceu seu papel, sua função como MC”, é o que afirma Fabiana Coelho que começou sua trajetória no rap em 2004 com o grupo Donas, formado apenas por mulheres, e vem se envolvendo com diversos trabalhos de intervenção cultural, produzindo música e ministrando oficinas nas comunidades, uma vez que a música se mostra um método bastante eficaz para se transmitir uma mensagem.
Cansadas de apenas ouvir homens falando de seus problemas, as mulheres se utilizam do rap para trazer questões que não são abordadas amplamente na sociedade. Letras como a de “ventre livre de fato” das Católicas pelo direito de decidir, traz informações a fim de conscientizar a população sobre a realidade vivida pelas mulheres que realizam aborto no Brasil. Trechos como “a cada sete mulheres, uma já fez aborto/ Isso é estatística, não é papo de louco/ Inseguro, feito de uma forma clandestina/ Acorda Brasil! O nome disso é "chacina” e “lutar pela legalização do aborto/É lutar pela saúde da mulher” é um exemplo disso.
Também usada para o empoderamento negro e desconstruções de estereótipos, canções como a de Dona Imperatriz, Alisar pra quê?, procura passar uma mensagem para todas a mulheres que tentam se enquadrar no modelo branco de beleza. “Quebra de convenção, revolução para os iguais/ Mas preta, cê vai alisar pra quê? / Se é bem melhor deixar sua negritude aparecer /Até porque a energia que se gasta pra esconder/ É perdida na expressão do seu ser”
Apesar de existir mulheres no cenário do hip-hop, é necessária uma abertura maior para que essas mulheres se fortaleçam e tenham suas vozes ecoadas para todo o país. A desconstrução do machismo no meio é difícil, a naturalização do sexismo nas letras é algo que deve ser combatido e exposto como exemplo do que não deve ser perpetuado. Esse não é um apelo ou uma forma de distanciar a presença masculina do cenário atual, mas sim de visibilizar uma gama feminina, feminista e militante presente no meio. É hora de trazer questionamentos de gênero para do rap nacional.
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